quinta-feira, 31 de março de 2011


 




"Eu sei, eu sei, o eterno clichê “isso passa”. Passa sim e, quando passar, algo muito mais triste vai acontecer: eu não vou mais te amar.
É triste saber que um dia vou ver você passar e não sentir cada milímetro do meu corpo arder e enjoar. É triste saber que um dia vou ouvir sua voz ou olhar seu rosto e o resto do mundo não vai desaparecer. O fim do amor é ainda mais triste do que o nosso fim.
Meu amor está cansado, surrado, ele quer me deixar para renascer depois, lindo e puro, em outro canto, mas eu não quero outro canto, eu quero insistir no nosso canto.
Eu me agarro à beiradinha do meu amor, eu imploro pra que ele fique, ainda que doa mais do que cabe em mim, eu imploro pra que pelo menos esse amor que eu sinto por você não me deixe, pelo menos ele, ainda que insuportável, não desista."


Tati Bernardi


 




Interrompida, caiu uma vírgula por aí, minha oração nunca será ouvida. Me perdi no meio dos sentidos.
História escrita a lápis, lápis-borracha para tudo ser mais prático. Escrita de qualquer jeito, torta, em linhas invisíveis. Com um início de perder o fôlego, mas com um eterno três pontinhos num final que nem existe.
Os três pontinhos são o que me matam, ponto final seria a dureza clara e o fim da história, três pontinhos são o que me matam.
Uma história pra adultos, escrita por crianças. Você sem saber viver de tantas vidas por aí, eu sem conseguir viver porque virei sua hospedeira.
Quis sugar sua vida perdida, e me perdi.
Incapaz de me sentir por medo de ser inteira, saio sentindo e sendo os outros. Quis ser você inteiro, morar aí dentro, bombear e mandar nas suas veias.
Mas você é tão livre, tão acima do chão. Tão acima de minha cabeça. Da minha cabeça que está aos seus pés.
Sinto o arrepio frio nas costas da bandeja de vidro que eu trouxe pra você.
Nela estou deitada, entregue. Mas tudo isso pode se quebrar a qualquer momento. A reconstrução eterna dos meus sonhos que já nascem fragmentados para que eu possa engolir tudo aos poucos.
Mas de nada adianta, estou eu aqui de novo, mas mais uma vez tão única e surpresa, engasgada até onde se pode sentir falta de ar.
Engasgada de você ir embora, engasgada de você voltar. Engasgada de você sempre sorrir.
Você não passou pelos meus buracos e eu não consegui te entender no quentinho seguro do meu ventre. Você travou todas as minhas entradas, você me incha por dentro e eu nem sei se vale a pena explodir porque você é surdo e cego.
De que vale eu deixar de existir se você não me percebe?
Sigo inchada, sigo cheia de coisas para cuspir em você, sigo pontuada por esses batimentos cardíacos que descem quando te vejo.
Poesia sem rima porque não somos bregas e a vida sem sentidos e sem encaixe é a loucura que une nossas doenças. Estrofes com métrica, porque sabemos exatamente o que queremos, apenas não rimamos para que não exista cumplicidade.
Uma história começada como a necessidade obscena e idiota de coçar o saco. E terminada pela saciedade obscena e idiota de o saco já ter sido coçado.
Tudo tão simples como expelir algo fisiológico. E eu me sentindo uma merda mesmo.
Ditado de três palavras para você: gostosa, fácil, comer. Narração de sujeito oculto para mim: meus sentimentos escondidos até o fim.
Uma redação com margem, tamanho e estilo impostos para você. Um diário sem limites para mim.
E você continua indo embora, e eu continuo ficando, vendo você levar partes de mim que antes eu nem sentia falta.
E você continua escrevendo sua história pulando linhas, errando palavras, esquecendo os títulos. E eu continuo escrevendo seu nome com letras cheias, para tentar preencher você de alguma maneira. Pra tentar deixar tangível a sua existência. E principalmente pra poder amassar o papel e jogar no lixo.



T.B

segunda-feira, 28 de março de 2011

"Você venceu,batata Frita!!"



 
Só sei que a noite está pedindo e resolvi fazer uma sessão nostalgia. Lembro com carinho de quando nos conhecemos, você parecia um cara tranquilo demais, caseiro, mas com o tempo percebi que era não era bem isso. Também me faz bem lembrar que você nunca, nunca se alterava.Acontecesse um acidente na nossa frente ou quando eu esquecia meu celular em um canto qualquer e não via suas ligações. Você nunca estragava nossas noites. Eram tão raros os nossos momentos e sempre eram bons. Eu tenho saudade de mil coisas e todas essas mil coisas sempre caem na mesma única coisa de que eu tenho tanta saudade: das suas histórias. Me faz muita falta ouvir sobre sua vida, suas histórias, seus medos, seus desejos, suas angústias. E como me faz bem saber o quanto você confia em mim, o quanto você se sente bem em conversar comigo.
 Você me ensinou muita coisa, a te respeitar, te admirar, te querer, só não me ensinou a te amar, isso aprendi sozinha.
Você me fez perceber que ciúme é um saco, principalmente quando você invoca em algo ridículo, mas eu mesmo assim acho lindo e necessário. Sabe, quando estamos distantes, mesmo que por horas, sinto muita saudade, de ser abraçada por um homem-menino, de encaixar o rosto no vão das suas costas e querer ser embalsamada ali por mil anos.
A vida fica surda sem você, porque o volume do mundo abaixa para ouvir meu grito interno. O mundo fica passando como um filme Super Oito na parede, as pessoas estão felizes, mas parece que faz tempo demais e sentido nenhum. Sem você sinto essa felicidade sem som, como se por maior que fosse um sentimento, ele já nascesse com defeito.

Nada muda no mundo quando você não caminha ao meu lado, as pessoas quase não percebem que falta metade do meu corpo e que eu não posso ser muito simpática porque toda a minha energia está concentrada para eu não tombar.
Às vezes sinto que você vai me querer pra sempre, e vai assumir tudo isso e ficar ao meu lado pra sempre. Por que eu ainda sou frágil, preciso de você, preciso que cuide de mim. Mas não quero sujar nosso amor com a minha mania de amar despedaçada e esfarelada, quero ficar toda inteira pra quando você me quiser.

Eu tenho saudades de tudo. Da gente sempre se despedindo e rindo muito dessa besteira toda, do seu carro sempre confortável pra os nossos "malabarismos", da paciência que você tinha com meus quase dez anos a menos, da mania que tenho de falar besteira demais,de querer ser mulher demais, suas roupas,suas tatuagens e de quando você ficava nervoso e falava, baixinho: “ai, como essa menina gosta de fazer drama!”.
Sabe aquele cantor que agora é ator e autor? Aquele que cantava “você venceu, batata frita”. Ele me fez pensar em nós agora. Taí. O amor venceu. Você venceu. Venceu. Venceu. Venceu. E eu acabo de descobrir, simples assim, a única maneira de me livrar desse sentimento: aceitando ele, parando de querer ganhar dele.
Pois é te amo mesmo, talvez pra sempre. Mas nem por isso eu deixo de ser feliz ou viver minha vida. Foda-se esse amor. E como você diria: foda-se você.
Te amo de todas as maneiras possíveis. Sem pressa, como se só saber que você existe já me bastasse. Sem peito, como se só existisse você no mundo e eu pudesse morrer sem o seu ar. Sem idade, porque a mesma vontade que eu tenho de transar com você no banho eu tenho de passear de mãos dadas com você empurrando nossos netos. E por fim te amo até sem amor, como se isso tudo fosse tão grande, tão grande, tão absurdo, que quase não é. Eu te amo de um jeito tão impossível que é como se eu nem te amasse. E aí eu desencano desse amor, de tanto que eu encano. Pois ninguém acredita na gente, nem você. Mas eu te amo também do jeito mais óbvio de todos: eu te amo burra. Estúpida. Cega. E eu acredito na gente.
Sabe, não é um sentimento egoísta e muito menos possessivo. É apenas uma saudadezinha. 

Gostosa, tranqüila, bonita, saudável, de longe. E, quem diria: leve




Readaptado,muito meu..

quinta-feira, 24 de março de 2011




 




Todas as vezes que te vi, nesses últimos quatro ou cinco anos, eu sempre me apaixonei por você. Eu sempre estive pronta pra começar algo, pra tomar um café de verdade, pra passear de mãos dadas no claro, pra poder te apresentar ao sol sem receber mensagens de gente louca ou olhares curiosos, pra escutar uma piada nova. E você sempre ignorou esse fato, seguindo seu caminho que sempre é interrompido pelo vazio da sua camiseta fedendo a churrasco. Eu nunca vou entender. Eu nunca vou saber porque a vida é assim. Eu nunca vou entender porque a gente continua voltando pra casa querendo ser de alguém, ainda que a gente esteja um ao lado do outro. Eu nunca vou entender porque você é exatamente o que eu quero, eu sou exatamente o que você quer, mas as nossas exatidões não funcionam numa conta de mais.Eu só sei que agora eu vou tomar um banho, vou esfregar a bucha o mais forte possível na minha pele e vou me dizer pela milésima vez que essa foi a última vez que vou ficar sem entender nada. Mas aí, daqui uns dias, igual faz há uns quatro ou cinco anos, você vai me ligar. Querendo pegar aquele cineminha, querendo me esconder como sempre, querendo me amar só enquanto você pode vulgarizar esse amor. Me querendo no escuro. E eu vou topar. Não porque seja uma idiota, não me dê valor ou não tenha nada melhor pra fazer. Apenas porque você me lembra o mistério da vida. Simplesmente porque é assim que a gente faz com a nossa própria existência: não entendemos nada, mas continuamos insistindo.
Tatiane Bernardi

terça-feira, 22 de março de 2011

Feios porém lindos.





 




"As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". 

Era um poeta maravilhoso, esse Vinicius de Moraes, mas deixou imortalizada uma frase que jamais sairia da boca de uma mulher. Aos feios, as mulheres dão boas vindas, desde que por trás do olho que não é azul e do corpo que não é atlético haja bom humor, inteligência e sex appeal.

Nunca veremos Brad Pitt e George Clooney namorando feinhas, mas já vimos Julia Roberts casar com Lyle Lovatt, um músico que tinha o rosto decorado com crateras, e a estonteante Sharon Stone desfilar com baixinhos barrigudos até contrair matrimônio com um senhor que mais parece um boneco de cêra. Há quem defenda a idéia de que mulheres casam com qualquer um, desde que tenha poder ou dinheiro. Poucas. Não foi o caso de Julia Roberts nem o de Sharon Stone, ricas e poderosas por si só, e também não é o caso de muitas Lucias, Andreas, Cristinas, Danielas, Fernandas e Jussaras anônimas. Mulheres preferem ser amadas do que invejadas.


Essa história de beleza tem a ver com atração, que tem a ver com "a primeira impressão é a que fica", que tem a ver com inícios de relações. Se a garota for um canhão, as chances de conquistar um deus são quase zero (é uma generalização, toda regra tem exceções). Já se o garoto for feio, porém espirituoso, talentoso e auto-confiante, pode descolar o número do telefone da Marisa Monte. Lembrem-se que ela já namorou o Nando Reis, dos Titãs. Alguma coisa ele tem de lindo.



Mick Jagger é raquítico e branquela. Gerald Thomas é raquítico, branquela e usa óculos. Woody Allen é raquítico, branquela, usa óculos e está quase careca. Apesar desse quadro de horror, sei de muita mulher que não os expulsariam da sua cama. Será que elas nunca ouviram falar em Mel Gibson, Antonio Banderas, Pedro Bial? Elas nunca ouviram falar é que beleza garanta o conteúdo.

Mulher tem faro, não se contenta com a embalagem. É bem mais comum ver uma mulher linda acompanhada de um homem aparentemente sem graça do que o contrário. Não é (só) porque a concorrência é implacável e nos contentamos com o que sobra. É porque mulher tem raio-x: consegue olhar o que se esconde lá dentro. Se além de um belo coração e um cérebro em atividade ele ainda for apetecível, é lucro. Pena que a recíproca raramente seja verdadeira. Economizaríamos fortunas em cabeleireiros e academias se os homens fossem direto ao que interessa, na alma e no espírito, para os quais não adianta maquiagem.

sexta-feira, 18 de março de 2011

É tanto falta.


 



 Vamos no atrasar. Por causa da chuva, por causa da preguiça. Sem  culpa. Tem um mundo todo de gente lá fora que pouco importa. O carro     bem poderia ter quebrado, ninguém vai saber se a gente não contar. Vamos nos atrasar por querer mais de nós dois.

Fica mais um pouco e me deixa fazer parte da sua história. Quero o seu dia-a-dia na minha rotina e seu colo pra dormir. Quero nossos assuntos em pauta e nossa falta fazendo companhia. Eu quero mais que solidão a dois e inseguranças tristes para preencher cotidiano. Mais que sorrisos inconvenientes e quase amizades convenientes. Eu quero menos. Menos pensamento, menos dúvida. Um equilíbrio e você de brinde.

Vamos nos atrasar, deixar o mundo acontecer do outro lado da porta enquanto a gente discute desenhos animados na cozinha e faz comida para o jantar. Esqueça a música alta, esqueça as pessoas e seus cumprimentos tediosos, é sábado, deixa pra lá. Tudo o que a gente precisa está aqui. Tem eu, tem você, tem uma madrugada inteira de nós dois. E isso é tudo.

quarta-feira, 16 de março de 2011


 

'Eu tenho medo da lucidez. Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, se acaso, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia. As coisas muito boas e as coisas muito ruins exigem explicação. Coisas mais ou menos estão explicadas por si mesmas. Sou quase oriental... sou latina muito raramente. Mas tudo mudou, ando tão mexicana por dentro, quase histérica. Talvez lembre de mim como uma mulher vivida, descolada, que lida bem com relações descartáveis, logo eu que odeio copos de plásticos, canudinhos, tudo que não dure. Não gosto de nada que é raso, de água pela canela. Ou mergulho até encontrar o reino submerso de Atlântida, ou fico à margem, espiando de fora. Não consigo gostar mais ou menos das pessoas, e não quero essa condescendência comigo também. Sexo deveria se como uma chuveirada. Uma gargalhada. Não gosto da vida em banho-maria, gosto de fogo, pimenta, alho, ervas, por um triz não sou uma bruxa. Não gosto que me peçam para ser boa, não me peçam nada, mesmo aquilo que eu posso dar. As relações de dependência me assustam. Não precisem de mim com hora marcada e por motivo concreto, precisem de mim a todo instante, a qualquer hora, sei ouvir o chamado silencioso da amizade verdadeira, do amor que não cobra, estarei lá sem que me vejam, sem que me percebam, sem que me avaliem. Eu me exijo desumanamente. Tenho impressão de que se eu não tiver uma vida bem argumentada ela vai se esfarelar em minhas mãos. Sou garimpeira, quero sempre cavoucar a razão de tudo, não consigo dar dois passos sem rumo determinado.'

domingo, 13 de março de 2011

Consideração.



  




Já tinha um mês e resolvi ir nessa festa com cara de festa que você vai. Toda pessoa de cabelo cheio que entrava eu achava que era você. Assim como acho quando estou na rua, no supermercado, na fila do cinema, dormindo. Virei uma caçadora de pessoas cacheadas. Virei uma caçadora de você em todas as pessoas. Então você chegou na festa. E eu apenas sorri e sorri e sorri. Porque era isso. Eu queria te ver apenas. A dor numa caixinha embaixo dos meus pés e eu mais alta pra poder te abraçar sem dor, perto da sua nuca e por um segundo. Eu te acho bonito de formas tão variadas e profundas e insuportaveis. Eu vejo você parecendo um leãozinho no fundo da festa. Suando e analisando. O rei escondido escolhendo a presa que não vai atacar. Com sua eterna tristeza cheia de piadas afiadas. Suas facas afiadas de graças para defender as tristezas que nadam baixas nos seus olhos de quem não quer fazer mal. Mas faz. Seus olhos. Em volta um riozinho melancólico e no centro o sol feliz e novinho chegando. E tudo isso vem forte como um soco de buquê de flores de aço no meu estômago. E eu quero ir até você e te dizer que eu sei que você desmaia quando faz exame de sangue. E como eu gosto de você por isso. E como eu queria tirar todo meu sangue em pé pra você jamais cair. E como eu gosto de você por causa do e-mail que você mandou pro seu amigo com problemas. Como gosto quando você lembra de alguém e precisa demonstrar naquela hora porque tem medo da frieza das suas distrações. Suas listas de culturas e atenções. Os vasinhos. Os vasinhos coloridos da cozinha me matam. A história do milagre que te salvou da queda da estante. Você arrepiado falando em anjos. Essas suas delicadezas em detalhes dormem e acordam comigo. Acariciam e perfuram meu peito vinte e quatro horas por dia. Uma saudade dos mil anos que passamos, ou das três semanas. A loucura de gostar tanto pra tão pouco ou simplesmente a loucura de tanto acabar assim. Fora tudo o que guardei de você, me restou a consideração que você guardou por mim. Sua ligação depois, quando me encontra. Sua mão estendida. Sua lamentação pela vida como ela é. Sua gentileza disfarçada de vergonha por não gostar mais de mim. A maneira que você tem de pedir perdão por ser mais um cara que parte assim que rouba um coração. Você é o mocinho que se desculpa pelo próprio bandido. Finjo que aceito suas considerações mas é apenas pra ter novamente o segundo. Como o segundo do meu nariz na sua nuca quando consigo, por um segundo, te abraçar sem dor. O segundo do seu nome na tela do meu celular. O segundo da sua voz do outro lado como se fosse possível começar tudo de novo e eu charmosa e você me fazendo rir e tudo o que poderia ser. O segundo em que suspiro e digo alô e sinto o cheiro da sua sala. Então aceito a sua enorme consideração pequena, responsável, curta, cortante. Aceito você de longe. Aceito suas costas indo. Aceito o último cacho virando a esquina. O último fio preso no pé da minha cama. Não é que aceito. Quem gosta assim não come migalhas porque é melhor do que nada, come porque as migalhas já constituem o nó que ficou na garganta. Seus pedaços estão colados na gosma entalada de tudo o que acabou em todas as instâncias menos nos meus suspiros. Não se digere amor, não se cospe amor, amor é o engasgo que a gente disfarça sorrindo de dor. Aceito sua consideração de carinho no topo da minha cabeça, seu dedilhar de dedos nos meus ombros, seu tchauzinho do bem partindo para algo que não me leva junto e nunca mais levará, seu beijinho profundo de perdão pela falta de profundidade. Aceito apenas porque toda a lama, toda a raiva, todo o nojo e toda a indignação se calam para ver você passar.
TATI BERNARDI.

sábado, 12 de março de 2011







 


“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de.
Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer.
Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.
Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita fui a criadora de minha própria vida.
Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi.
E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito,
mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também.
Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.”

Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres. Clarice Lispector

Eu preciso saber.


 






A recaída de amor acontece como num daqueles pesadelos que se está caindo. De repente você acorda sentado na cama: Meu Deus, eu preciso saber! Mas se eu já estava tão bem há semanas. Volte a dormir, volte a dormir. Você já tinha decidido lembra? Nada a ver com você, chato, bobo, não deu certo. Mas eu preciso saber. Não, não precisa. Pra quê? Vai te machucar. Não! Eu preciso saber. Então levanto da cama.
Facebook, a desgraça em formato de parquinho virtual. Nome dele, aparece a foto azulada e ele de perfil. É tão bonito. Mas não há mais nada que eu possa ver. Nos deletamos mutuamente pra evitar justamente esse tipo de inspecão noturna. 
Mas isso não vai ficar assim. Ligo pra nossa amiga em comum. Ela não atende, afinal, são duas da manhã. Mando mensagem "me manda sua senha do Facebook agora ou vou ficar te ligando até amanhã cedo". Ela manda a senha e um palavrão. Acesso. Vamos ver. Eu preciso saber. Eu preciso. Então vejo que ele não posta nada há cinco semanas. Fotos, fotos. A única foto nova é o flyer de uma festa que eu fui e ele não estava. Nada.
Jogo o nome dele no Google. Aparece uma foto dele alcoolizado dando entrevista em uma festa de mídia. Como é lindo. Tento o Twitter mas ele só escreve piada de político. Tento o Facebook, Twitter e blogs de amigos. Está ficando tarde. Se eu tivesse essa mesma concentração e minuciosidade e empenho e energia para o trabalho estaria rica. Estou retesadamente motivada e atenta. Mas não consegui nenhuma informação e eu ainda preciso saber.
São seis da manhã. Estou cansada. Coloco a música de quando você forçou a porta do quarto e entrou. Black Swan. Não sou boa de inglês como você, mas sei que é a história de algo que já começou fodido porque cresceu demais antes da hora, você que pegue um trem e suma daqui. Que bela música pra começar. Ok, agora estou chorando. Lembrei que eu me sentia tão viva com você me olhando bem sério e bem no fundo dos olhos e machucando meu braço. Sim, é definitivamente uma recaída e eu acabo de decidir que te amo mais que tudo no universo e que amanhã, ou hoje, porque já são sete e meia da manhã, vou resolver isso. Agora preciso dormir só um pouquinho.
Volto pra cama. Coração disparado. Não tem posição na cama. O que eu faço? Não tô a fim de ler, não tô a fim de ver TV. Aquelas outras coisas que se faz pra acalmar tô com preguiça agora, minha imaginação está indo toda para traçar um plano para que eu descubra. Descubra o quê? Não sei, mas sei que algo está acontecendo, ou eu não estaria assim. Porque eu sinto quando ele está com alguém, sabe? Eu sinto. Sim! A cartomante!
Ligo pra Zuleide. Você atende hoje? Mas é domingo, Tati! Atende? Só se for por telefone. Tá bom, então joga aí: ele está com alguém? Mas Tati, você quer mesmo saber isso? Quero, mulher. Eu preciso saber. Joga aí: ele está com alguma puta? Tati, eu não posso perguntar isso pras cartas. Pergunta aí: ele tá com alguma piranhuda desgraçada vagabunda vaca dos infernos? Zuleide pede desculpas e desliga. Preciso do Lexapro mas ele acabou há semanas, igual meu amor. E agora, de repente, preciso tanto dos dois novamente. 
Você acha que ele está com alguém? Não sei, Tati, eu ainda tô dormindo, posso te ligar mais tarde? Você acha que ele está com alguém? E se estiver, Tati, quer ir ao cinema mais tarde? Você acha que ele está com alguém? Putz, sei lá, homem sempre tá comendo alguém né? Você acha que ele está com alguém? Tati, do jeito que ele gostava de você? Claro que não!
Chega, chega. Preciso me acalmar. Pra que isso? Se ele estiver com alguém agora, e daí? Terminamos não terminamos? Ele e eu não temos nada a ver, certo? Decidimos que era melhor assim, certo? Eu não tava bem com ele e nem ele comigo, certo? Porque era bom e tal. Aliás, meu Deus, como era bom. Mas não era bom pra ficar junto, certo? Então pronto. Chega. Adulta, adulta. Qual o problema se ele estiver agora, justamente agora, lambendo a virilhazinha de alguma desgraçada? Qual o problema? Ok, eu posso morrer. Eu definitivamente posso morrer. Chega, vou acabar com essa palhaçada agora mesmo.
Tomo banho, me visto, pego a bolsa, entro no carro. Considerando que ele não mora em São Paulo, não sei exatamente o que eu pretendo com isso. Mas me faz bem enganar o cérebro e fazer de conta que estou indo atrás da verdade. Na verdade vou só na casa de outro, preciso fazer qualquer coisa que não seja sofrer, mas não consigo. O outro não conhece Black Swan, não ri da história da Zuleide, não me aperta o braço.
Volto pra casa, destruída. Sinto tanto amor dentro de mim que posso explodir e bolhas de corações vermelhas atingiriam o Japão. Quase não consigo respirar. Chega, chega. Ligo pra ele. Ele não atende. Ligo de novo. Ele atende falando baixinho. Você está com alguém? Estou. Desligamos. Pronto, agora eu já sei. Depois de um final de semana inteiro de palpitacões, descargas de adrenalina, músicas, textos, amigos, danças, gritos, sensações, assuntos, choros, dores, vida. Agora eu já sei. 
O que eu nunca vou saber é porque faço tudo isso comigo só porque tenho tanto pavor do tédio. Era só isso o que eu precisava saber.



Tati Bernardi.

domingo, 6 de março de 2011

Obsessão por ser perfeita.


Sou perfeccionista demais!", costumam exclamar algumas mulheres, sem deixar claro se estão se auto-elogiando ou se autocriticando. Por via das dúvidas, saio de perto. Já não tenho paciência para essa busca desenfreada pela perfeição. Quem disse que, ao assumirmos certas atribuições outrora masculinas, teríamos que virar as mestras em eficiência, as PhD em produtividade?
Atualmente, mulheres tripulam foguetes, presidem países e são autoras de descobertas científicas. Mas você, que não é astronauta, nem presidente de nada, nem candidata a Einstein, anda se cobrando insanamente por quê? A independência feminina era pra ser divertida, onde é que deu errado? Sua agenda está mais cheia do que a da Condoleeza Rice. Você não consegue se conceder meia hora para fazer as unhas. Está tão estressada que quase cai em prantos quando seu patrão dá uma bronca. E você não dorme, criatura. Você acredita mesmo que cinco horas por noite é suficiente? Você passa seu creme anti-rugas antes de se deitar e, quando acorda, elas estão todas lá, triplicadas pelo cansaço. E nem adianta tentar encontrar uma horinha para aplicar botox porque sua dermatologista está sem hora livre até agosto - ela é mulher como você, portanto, outra maluca viciada em agenda cheia. Estamos todas perdendo feio para este que deveria ser nosso aliado, mas virou um inimigo: o tempo.
Pergunte a si mesma: assumir tantos compromissos e ser tão tirânica em relação ao seu desempenho está fazendo de você uma mulher mais feliz? Se a resposta é não, pare tudo e troque por um cotidiano mais realista. Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista o Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo de vida para os outros. Seu pai e sua mãe, se tinham juízo, também não se apegaram a esta expectativa. Você não é Nossa Senhora. É, humildemente, uma mulher. E se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, diga adeus ao melhor dos luxos. Porque luxo não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é encarar qualquer trabalho por dinheiro, não é atender a todos e criar para si mesma a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.
Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias! Tempo para uma massagem. Tempo para receber as amigas em casa. Tempo para fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Para fazer um curso. Engravidar. Ou para conhecer uma cidade bem longe. Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem precisar deixar de existir. Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.

A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Phillipe Starck e o batom da Mac, mas se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica a beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres 5 estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, ter um luxo de vida.

quinta-feira, 3 de março de 2011

The Holiday.





"O que eu to querendo dizer é que eu entendo o que é se sentir a menor e a mais insignificante das criaturas do mundo, e isso faz você sentir dores em lugares que nem sabia que existia no corpo, e não importa quantas coisas eu faça, quantas bebidas eu tome, quantas vezes vou ficar sem comer, eu ainda vou pra cama toda noite pensando em cada detalhe, imaginando o que fiz de errado ou como pude ter interpretado mal, e como foi que por um breve momento eu achei que poderia ser tão feliz, as vezes eu consigo até me convencer de que ela num passe de mágica virá a minha porta.
E depois de tudo isso, demore o tempo que tem que demorar, eu vou pra um lugar novo, vou conhecer pessoas novas que vão fazer eu me valorizar, e pedacinho da minha alma vão finalmente poder voltar. E aquela época turva, aqueles anos que eu desperdicei, tudo isso começa a se dissipar. "

quarta-feira, 2 de março de 2011

Ser feliz não é pecado.




Felicidade é ter noção da precariedade da vida, é estar consciente de que nada é fácil, é não se exigir de forma desumana e, apesar (ou por causa) disso tudo, conseguir ter um prazer quase indecente em estar vivo

A felicidade é desprezada por muita gente. A pessoa feliz sofre o preconceito de parecer uma pessoa vazia, sem conteúdo. No entanto, algo ela tem, senão não incomodaria tanto. Será que é porque ela nos confronta com nossa própria miséria existencial? É irritante ver alguém naturalmente linda, rica, simpática, inteligente, culta, talentosa, apaixonada e, ainda por cima, magra! Essa ninfa nunca ouviu falar em insônia, depressão, dívidas, mousse de chocolate?

Os felizes ainda estão associados ao padrão "comercial de margarina", portanto, costumam ser idealizados - e desacreditados. É como se fossem marcianos, só que não são verdes. Por isso, damos mais crédito aos angustiados, aos irônicos, aos pessimistas. Por não aparentarem possuir vínculo com essa tal felicidade, dão a entender que têm uma vida muito mais profunda. Você é feliz? Não espalhe, já que tanta gente se sente agredida com isso. Mas também não se culpe, porque felicidade é coisa bem diferente do que ser linda, rica, simpática e aquela coisa toda. Felicidade, se eu não estiver muito enganada, é ter noção da precariedade da vida, é estar consciente de que nada é fácil, é tirar algum proveito do sofrimento, é não se exigir de forma desumana e, apesar (ou por causa) disso tudo, conseguir ter um prazer quase indecente em estar vivo.

O psicanalista Contardo Calligaris certa vez disse uma frase que sublinhei: "Ser feliz não é tão importante, mais vale ter uma vida interessante". Creio que ele estava rejeitando justamente esta busca pelo kit felicidade, composto de meia dúzia de realizações convencionais. Ter uma vida interessante é outra coisa: é cair e levantar, se movimentar, relacionar-se com as pessoas, não ter medo de mudanças, encarar o erro como um caminho para encontrar novas soluções, ter a cara-de-pau de se testar em outros papéis - e humildade para abandoná-los se não der certo. Uma vida interessante é outro tipo de vida feliz: a que passou ao largo dos contos-de-fada. É o que faz você ter uma biografia com mais de 10 páginas.

Se você acredita que ser feliz compromete seu currículo de intelectual engajado, troque por outro termo, mas não cuspa neste prato. Embriague-se de satisfação íntima e justifique-se dizendo que é um louco, apenas isso. Como você sabe, os loucos sempre encontram as portas do céu abertas.

Rita Lee, que já passou por poucas e boas, mas nunca se queixou de não ter uma vida interessante, anos atrás musicou com Arnaldo Batista estes versos: "Se eles são bonitos, sou Alain Delon/ se eles são famosos/ sou Napoleão/se eles têm três carros/ eu posso voar". Também faço da Balada do Louco meu hino, que assim encerra: "Mais louco é quem me diz que não é feliz".

Eu sou feliz.