sábado, 26 de fevereiro de 2011



O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste. Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole. O amor está em todos os lugares, você que não procura direito.
A primeira lição está dada: o amor é onipresente. Agora a segunda: mas é imprevisível. Jamais espere ouvir "eu te amo" num jantar à luz de velas, no dia dos namorados. Ou receber flores logo após a primeira transa. O amor odeia clichês. Você vai ouvir "eu te amo" numa terça-feira, às quatro da tarde, depois de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza. Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.
( Martha Medeiros )

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Consideração





Já tinha um mês e resolvi ir nessa festa com cara de festa que você vai. Toda pessoa de cabelo cheio que entrava eu achava que era você. Assim como acho quando estou na rua, no supermercado, na fila do cinema, dormindo. Virei uma caçadora de pessoas cacheadas. Virei uma caçadora de você em todas as pessoas. Então você chegou na festa. E eu apenas sorri e sorri e sorri. Porque era isso. Eu queria te ver apenas. A dor numa caixinha embaixo dos meus pés e eu mais alta pra poder te abraçar sem dor, perto da sua nuca e por um segundo. Eu te acho bonito de formas tão variadas e profundas e insuportáveis. Eu vejo você parecendo um leãozinho no fundo da festa. Suando e analisando. O rei escondido escolhendo a presa que não vai atacar. Com sua eterna tristeza cheia de piadas afiadas. Suas facas afiadas de graças para defender as tristezas que nadam baixas nos seus olhos de quem não quer fazer mal. Mas faz. Seus olhos. Em volta um riozinho melancólico e no centro o sol feliz e novinho chegando. E tudo isso vem forte como um soco de buquê de flores de aço no meu estômago. E eu quero ir até você e te dizer que eu sei que você desmaia quando faz exame de sangue. E como eu gosto de você por isso. E como eu queria tirar todo meu sangue em pé pra você jamais cair. E como eu gosto de você por causa do e-mail que você mandou pro seu amigo com problemas. Como gosto quando você lembra de alguém e precisa demonstrar naquela hora porque tem medo da frieza das suas distrações. Suas listas de culturas e atenções. Os vasinhos. Os vasinhos coloridos da cozinha me matam. A história do milagre que te salvou da queda da estante. Você arrepiado falando em anjos. Essas suas delicadezas em detalhes dormem e acordam comigo. Acariciam e perfuram meu peito vinte e quatro horas por dia. Uma saudade dos mil anos que passamos, ou das três semanas. A loucura de gostar tanto pra tão pouco ou simplesmente a loucura de tanto acabar assim. Fora tudo o que guardei de você, me restou a consideração que você guardou por mim. Sua ligação depois, quando me encontra. Sua mão estendida. Sua lamentação pela vida como ela é. Sua gentileza disfarçada de vergonha por não gostar mais de mim. A maneira que você tem de pedir perdão por ser mais um cara que parte assim que rouba um coração. Você é o mocinho que se desculpa pelo próprio bandido. Finjo que aceito suas considerações mas é apenas pra ter novamente o segundo. Como o segundo do meu nariz na sua nuca quando consigo, por um segundo, te abraçar sem dor. O segundo do seu nome na tela do meu celular. O segundo da sua voz do outro lado como se fosse possível começar tudo de novo e eu charmosa e você me fazendo rir e tudo o que poderia ser. O segundo em que suspiro e digo alô e sinto o cheiro da sua sala. Então aceito a sua enorme consideração pequena, responsável, curta, cortante. Aceito você de longe. Aceito suas costas indo. Aceito o último cacho virando a esquina. O último fio preso no pé da minha cama. Não é que aceito. Quem gosta assim não come migalhas porque é melhor do que nada, come porque as migalhas já constituem o nó que ficou na garganta. Seus pedaços estão colados na gosma entalada de tudo o que acabou em todas as instâncias menos nos meus suspiros. Não se digere amor, não se cospe amor, amor é o engasgo que a gente disfarça sorrindo de dor. Aceito sua consideração de carinho no topo da minha cabeça, seu dedilhar de dedos nos meus ombros, seu tchauzinho do bem partindo para algo que não me leva junto e nunca mais levará, seu beijinho profundo de perdão pela falta de profundidade. Aceito apenas porque toda a lama, toda a raiva, todo o nojo e toda a indignação se calam para ver você passar.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

  



Liberdade na vida é ter um amor pra se prender. A gente reclama muito da dependência, mas como é maravilhosa a dependência, confiar no outro, confiar no outro a ponto de não somente repartir a memória, mas repartir as fantasias. Confiar no outro a ponto de esquecer quem se foi assim que o outro esteja junto, é talvez chegar em casa e contar seu dia e só sentir que teve um dia quando a gente conta como foi. É como se o ouvido da outra pessoa fosse nossos olhos. Amar é uma confissão. Amar é justamente quando um sussurro funciona melhor que um grito. Amar é não ter vergonha de nossas dúvidas, é falar uma bobagem e ainda se sentir importante. É lavar louça e nunca estar sozinho. É arrumar a cama e nunca estar sozinho. É aquela vontade danada de andar de mãos dadas durante o dia e de pés dados durante a noite."

(Fabrício Carpinejar)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

 
 
 
“Para não sofrer eu vou me drogar de outros, eu vou me entupir de elogios, eu vou cheirar outras intenções. Vou encher minha cara de máscaras para não ser meu lado romântico que tanto precisa de um espaço para existir ridiculamente. Não vou permitir ser ridícula, nem uma lágrima sequer, nem um segundo de olhar perdido no horizonte, nem uma nota triste no meu ouvido. Eu sei o quanto vai ser cansativo correr da dor, o quanto vai ser falso ignorar ela sentada no meu peito. Mas vou correr até minha última esquina. Vou burlar cada desesperada súplica do meu coração para que eu pare e sofra um pouquinho, um pouquinho que seja para passar. Suor frio da corrida, sempre com sorriso duro no rosto e o medo de não ser nada daquilo que você me fez sentir que eu era. Muita maquiagem para esconder os buracos de solidão. Muita roupa bonita para esconder a falta de leveza e de certeza do meu caminho.”

Tati Bernardi

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011




Gostar de alguém é a mais difícil das conquistas...
Difícil, porque gostar de verdade é muito raro...
Necessita de preocupação, de química, lágrimas, brisa ou encantamento...
Sexo, envolvimento e até paixão, é fácil... Mas gostar mesmo, é muito difícil...

Para gostar de alguém não precisamos que este seja o mais bonito ou o mais sexy, mas ser apenas aquele a quem se quer proteger e que quando se chega ao seu lado nos sintamos encantados, estando ele bem ou deprimido...
Gostar é fazer pactos com a felicidade mesmo que esporádica, escondida, fugidia ou impossível de durar...
Quem gosta, sabe do valor da mão dada num gesto repentino, apenas porque deu vontade, de um carinho na face, do abraço apertado, da vontade de comprar e oferecer um perfume, do mimo, de poesia lida bem devagar, do sorriso que quer aparecer quando o outro chega, do brilho do olhar ou o olhar cúmplice sem palavras...

Saber gostar é também exagerar...
Saber gostar é enlouquecer aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido...

(Sol Brito)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011



Eu adoro a maneira que ele sorri e o jeito como se veste. Adoro o seu olhar observando o meu discretamente.Adoro seu corpo e tudo que nele esta.Adoro sua voz,seu sorriso e seu beijo profundo e ritimado,quente e meigo.Mas sem dúvidas, eu o adoro porque é inatingível.
Porque eu nunca vou poder saber se está tudo bem, se sua avó é saudável. Não vou cumprimentá-lo ao reconhecê-lo na rua, apenas olhar para trás quando já estiver distante. Não vou descobrir se ele prefere morango ou uvas, nem a sua cor preferida. Não vou abraçá-lo em seu aniversário.Não vou ganhar wisky quando eu me sentir completamente fora do ár. Proibido para mim.
Mas às vezes eu sonho, e quando sonho o improvável acontece. E se o improvável acontece, o inatingível brota em minhas mãos.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011



"Eu sei que falei em prazer gratuito semanas atrás, e sei o que vc pensa a respeito: nada é gratuito. Mas, por enquanto não consigo contrariar essa forte impressão de que a conta não virá. Se eu sinto alguma culpa, não é pelo o que faço às escondidas, não é culpa por estar me dedicando a uma experiência socialmente reprovável : é culpa por não sentir culpa alguma. Por estar achando tudo condizente com meu grau de exigência em relação ao aproveitamento do meu tempo, condizente com a minha fome, que nunca foi de comida, mas de vivência. A pergunta que mais faço é: pq não? Desde pequena, desde que tomei gosto pelo ato de respirar e me senti atraída pelos dias que estavam por vir, horas repletas de novidade, desde que eu despertei para a leitura e que passei a sentir o sabor das coisas de uma forma muito entusiasmada, desde que eu soube que podia pensar e que o pensamento era livre, que dentro do meu pensamento ninguém poderia me achar, desde que meus seios cresceram e eu descobri que pessoas tinham cheiro, desde lá até aqui eu me pergunto: pq não me oferecer para aquilo que não fui preparada? Eu tenho as armas de que necessito para me defender, e mesmo que eu perca, eu ganho, já perdi algumas vezes e sei como funciona a lei das compensações. Quero acolher com generosidade o que em mim se manifesta de forma incorreta. Não vou pedir permissão aos outros para desenvolver a mim mesma, mando no meu corpo e em tudo o que ele confina, coração incluído, consciência incluída. Talvez eu esteja com receio de ter ido longe demais desta vez e esteja preparando a minha defesa, caso alguma coisa não saia como esperado. O que eu espero? Não espero nada, espero tudo, estou à deriva nessa aventura. Eu queria cristalizar esse momento da minha vida, mas estou em alta velocidade, e não sei se quero ir adiante, só que eu não tenho opção. Acho que é isso. Eu tinha opções, agora não tenho. Não consigo parar esse trem." (Martha Medeiros)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Linhas cruzadas.



E agora que eu tenho certeza que você não é ‘aquele’, eu me descubro cagando um monte pra tudo isso. Porque você não é perfeito, mas o cara dos meus sonhos não tem o desenho da sua boca: com mais contorno do que tinta. O homem perfeito é um puta de um chato com seus cds cults e cartazes de filmes europeus pela sala. Você com aquele seu vinil incansável do Bob Marley é muito divertido, porque a gente briga até não agüentar mais por causa dele e depois faz as pazes conversando do nosso jeito. Porque o homem perfeito é cheio de estripulias sexuais, mas eu detesto estripulias e adoro nosso jeito intenso de se amar cheio de inconformismos com a intensidade. Eu sonhei sim com esse cara, que me levaria tomar sopas quentinhas em lugares com jazz e olharia para mim a noite toda achando que maior diversão no mundo não poderia haver. Mas você com essa sua mania de encher de amigos as pizzarias e soltar um ou outro “irado” me faz te odiar tanto e querer tanto a sua atenção. E me faz querer tanto você daqui a pouco, porque você não enjoa. Você me cansa demais mas não enjoa. E quando você me cansa eu enfio a minha cabeça no fortinho do seu peito, eu que sempre odiei os malhados, e peço a Deus para que eu nunca desista de te odiar tanto assim, porque não pode existir ódio mais cheio de borboletas, notas musicais e passarinhos azuis. Eu quero sim te matar, porque você tem uma mania surda de responder todas as minhas perguntas com um “ãhhh?” enjoado, e eu quero te socar porque você já descobriu tudo o que me irrita e gosta de me ver assim. Mas quando qualquer outra coisa no mundo me irrita, eu lembro que eu tenho você pra me fazer sentir essa raiva nossa de sitcom inteligente. E sua cara de sonso despretensioso para a vida, enquanto eu coleciono rugas, berros e inchaços. A sua cara de que “não é comigo” vai muito bem com a minha máscara da agressividade que acredita que tudo é comigo. E o homem perfeito tem um beijo profundo e ritmado, que de tão melado e encaixável me deixa saciada de um jeito que encerra o meu desejo. E você tem um jeito caótico de me beijar meio burro, porque se eu vou para um lado, você vai para o mesmo. E é nesta única hora em que você não deveria concordar comigo, que você concorda. E eu nunca me dou por satisfeita, e acabo achando que a gente ainda nem deu o nosso primeiro beijo, o que me causa uma ansiedade de paixão inicial que não deixa o peito relaxar. E o homem das minhas ilusões me deixaria relaxar numa enorme cama amorosa, e acordaria inúmeras vezes para me ver dormir abraçada a toda a certeza que ele me daria com apenas um segundo de olhar. É cansativo viver sem vírgulas porque eu respiro a sua existência 24 horas por dia, e só coloco vírgulas teatrais para você não enjoar de mim. Te amar não é fácil, é quase o anti-amor. É muito quase como se você nem existisse, porque só o homem perfeito mereceria tanto sentimento. E eu te anulo o tempo todo dizendo para mim, repetindo para mim, o quanto você falha, o quanto você fraqueja, o quanto você se engana. E fazendo isso, eu só consigo te amar mais ainda. E a gente vai por aí, se completando assim meio torto mesmo. E Deus escrevendo certo pelas nossas linhas que se não fossem tão tortas, não teriam se cruzado.

T.B 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Doidas e santas.

 
 
Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa.
" São versos de Adélia Prado, retirados do poema "A serenata".
Ele narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo ou mais tarde um homem virá arrebatá-la,
logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão
– não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude.
E encerra: "De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?"
Adélia é uma poeta danada de boa.
E perspicaz.
Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade,
depois de já ter trilhado uma longa estrada,
onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente?
Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões
– e a gente sabe como as desilusões devastam - ,
terá que ser meio doida.
Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção.
Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?
Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa.
Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???
Nem ela caríssimos, nem ela.
Existe mulher cansada, que é outra coisa.
Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou.
Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade.
Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres.
Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
Santa, mesmo, só Nossa Senhora, mas, cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou?
(Não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do.)
Toda mulher é doida. Impossível não ser.
A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor,
a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar the big one,
aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais.
Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo?
Mas além disso temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas,
ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca,
pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Depp,
ou então virar louca e cafetina, ou sei lá, diga aí uma fantasia secreta,
sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca.
Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações:
exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante.
Pois então. Também é louca. E fascina a todos.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham.
Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.
Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora.
E santa, fica combinado, não existe.
Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada?
Você vai concordar comigo: só se for louca de pedra.
 
Martha Medeiros

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Cartas extraviadas.



Não sei por onde começar esta carta que já nasce atrasada,
pensamos sempre que temos muito a dizer mas as palavras são pouco amistosas, onde encontrá-las agora, às três e dez de uma madrugada em que me encontro insone e pensando mais uma vez em você?
Você esperou por estas palavras por muitos meses, na esperança de que elas aliviariam a dor do seu coração, mas elas não vieram porque estavam ocupadas vigiando meus impulsos, me impedindo de me abrir, e minha própria dor lhe pareceu desatenção, eu que não durmo de tanta paixão congestionada, de tanto desejo represado, de tão só que estou.
Meus motivos sempre lhe pareceram egoístas, e se eu lhe disser que o descaso aparente foi na verdade uma atitude consciente para preservar você, me chamarás de altruísta e não sairemos do mesmo lugar.
Eu errei por não permitir que você me oferecesse seu afeto, eu errei ao sobre valorizar um risco imaginário, eu errei por achar que existem amores menores e maiores, avaliados pelo tempo investido, pela contagem dos beijos, pelas ausências sentidas, por tudo isto fui conduzido a um erro de cálculo.
Não te peço nada além de compreensão, e esta carta nem era para pedir, mas para doar, eu que sempre me achei boa nessas coisas, a voluntária da paz, a boa-gente oficial da minha turma.Mas peço: lembre de mim como alguém que alcançou a mesma medida do seu sentimento, a mesma profundidade das suas dúvidas, o mesmo embaraço diante da novidade, o mesmo cansaço da luta, a mesma saudade.
A carta vem tarde e redigida com palavras covardes, as corajosas repousam pois se imaginam já ditas e escritas, valentes foram as palavras do início, as desbravadoras, as que ultrapassaram limites, quando nós dois ainda não sabíamos do que elas eram capazes, palavras audazes, febris.
Pela enormidade de tempo que temos pela frente em que não nos veremos mais, não nos tocaremos ou ouviremos a voz um do outro, pela quantidade de dias em que conduzirás tu vida longe de mim e eu de ti, pela imensidão da nos descrença, pela perseverança da nossa solidão, pelos nãos todos que te falei, pelo pouco que houve de sim, acredita: te amei além do possível, não te amei menos que a mim.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Os bobos.


Ele chega e não diz nada nem da minha roupa nova e nem da minha casa que perfumei pra ele. Então eu também não digo nada sobre estar geando e ele ter vindo só de camiseta direto do trabalho. Então começamos a ver o filme e como ele não faz questão de encostar a perna na minha perna, eu que não sou boba de encostar a minha perna na dele. E na cena de sexo do filme, como ele não sorri e nem olha pra mim, também fico mais fria do que estão meus pés. Ao final do filme, ele corre para olhar o celular dele. Eu que não sou boba e jamais posso perder para alguém, muito menos para um homem, menos ainda para um homem que me interessa, corro para olhar meu celular também. E como vejo que ele olha as mensagens e sorri, acabo tendo gargalhadas ao olhar meu visor com a foto da minha cachorra e nada mais. E então pessoas começam a ligar pra ele. Tudo bem que é a mãe e o amigo do futebol, mas é tarde demais. Eu, como não sou nem um pouco boba, mando algumas mensagens de texto para algumas pessoas sem que ele perceba, só para receber também várias ligações. Daí ele fala rapidamente da ex namorada, acho até que por culpa minha, eu devo ter perguntado alguma coisa. E eu começo a falar dos meus 789 ex namorados. Porque meu filho, nesse quesito eu ganho de você. Você teve aí, nesses seus poucos anos a mais do que eu, o quê? Umas três namoradas? Ah, querido, isso eu tive só no terceiro colegial. E então eu começo a falar deles. E dos outros tantos que foram só casinhos. E dos outros tantos que foram só sexo. E falo de sexo como se eu fosse uma versão magra, clara e pobre da Preta Gil. Só que mais devassa. E fico com vontade de deitar no colo dele e falar que é tudo mentira. Eu nem namorei tanto assim. E sou a mais imbecil do mundo porque sempre acho que vou casar com qualquer um que me come. E nem dou, pra falar a verdade, pra qualquer um. E mesmo para os que não são qualquer um, demoro um pouco pra conseguir tirar qualquer peça de roupa mais íntima. Mas não, eu não posso ser boba, eu não sou boba. E então, e então, porque ele não fala nada em jantar comigo, marco um jantar com um amigo na frente dele. E porque ele não fala nada em me encontrar depois, deixo claro, antes dele dizer qualquer coisa, porque não sou boba, que já tenho compromisso pra depois do jantar também. E minto que vou passar uma semana no Rio. É mentira, são só dois míseros e infinitos dias. Mas não sou boba. Eu não sou boba. E porque ele faz um pouco de cara de tédio e eu acho que ele vai ficar entediado de mim e querer ir embora, o expulso da minha casa. Vamos! Suma daqui desgraçado! Eu não sou boba, entendeu? EU NÃO SOU BOBA. E ele me pede só mais uma música, só mais um beijo e alguns segundos para calçar os sapatos. E eu digo que não, preciso que ele vá embora agora porque tenho algo muito importante a fazer. E como bocejo pra ele mas olho misteriosa pela janela, fingindo que alguém incrível me espera ansioso pelas ruas do mundo, deixo claro que é melhor ele desistir logo de mim. Porque não sou boba. E então ele sai, sem nem amarrar direito os cadarços. E volta pra casa sem tempo de me convidar para o jantar, a festa, o sexo. Sem tempo de encostar sua perna na minha, elogiar minha roupa, o perfume, deixar vir e deixar ir o tédio. Deixar vir e deixar ir a dúvida. E eu fico aqui mais uma vez, tão esperta.